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Breve História da Coenzima Q10

Breve História da Coenzima Q10Parece que a descoberta da Coenzima Q10 não foi acidental como o foi a descoberta da penicilina. Olhando para a história da Coenzima Q10, é patente uma determinada evolução da investigação no sentido de se compreender melhor os mecanismos celulares que produzem energia nas nossas células.

Recuando a 1954, o Professor R. A. Morton e colegas, na Grã-Bretanha, realizaram vários estudos sobre uma substância lipossolúvel, pouco conhecida, presente em tecidos animais, p. ex., no tecido intestinal do cavalo, no tecido hepático do rato e no tecido de diversos órgãos do porco. Embora tivessem feito grandes avanços, os investigadores britânicos não conseguiram identificar completamente a substância.

Q10 - A substância amarela, misteriosa, no frigorífico

Três anos mais tarde, em 1957, os investigadores da Universidade de Wisconsin realizavam estudos do processo de produção de energia celular. Um dos investigadores, o Professor Assistente Frederick Crane, bioquímico, reparou em alguns cristais amarelos num tubo de ensaio que continha material que tinha sido retirado das mitocôndrias de células cardíacas de gado bovino.

O Dr. Crane usou uma técnica, chamada espectroscopia de absorção, para examinar os cristais amarelos, e concluiu que os cristais misteriosos tinham de ser quinonas, o que era estranho porque, até então, os cientistas supunham que só as plantas continham quinonas.

Evidentemente, hoje em dia, sabe-se que as quinonas são substâncias biológicas com propriedades importantes para a produção de energia no corpo humano. A vitamina K, por exemplo, também é uma quinona.

Q10 - o elo necessário na produção de energia

Para confirmar a sua análise dos cristais amarelos, o Dr. Crane enviou uma amostra a outro bioquímico, o Dr. Karl Folkers, que, na altura, trabalhava nos laboratórios de investigação da farmacêutica Merck, Sharpe and Dohme, em Nova Jérsia.
O Dr. Folkers e a sua equipa confirmaram que a substância era, de facto, uma quinona, e a equipa da Merck conseguiu identificar a estrutura química da substância: trans 2,3, dimetoxy-5-metil-6-decaprinil-1,4-benzoquinona.
Sabe-se agora que a Q10 pode existir em três estados de oxidação:

  • na forma de ubiquinona, completamente oxidada (CoQ)
  • na forma de radical, semiquinona (CoQH)
  • na forma de ubiquinol, completamente reduzido (CoQH2)

Q10 - uma molécula relativamente grande

O Dr. Donald E. Wolf e o Dr. Karl Folkers informaram a comunidade científica da descoberta de Q10, em 1958, mas desde então a descoberta inicial é universalmente atribuída ao Dr. Frederick Crane. O Professor R. A. Morton, na Grã-Bretanha, propôs o nome ubiquinona - da fusão das palavras ubíquo e quinona - que era perfeitamente adequado, porque a substância parece estar presente praticamente em todas as células e tecidos.

Anos 60 - utilização de Q10, pela primeira vez, para fins clínicos

Na década de 1960, os investigadores começaram a pensar em formas de utilizar a Coenzima Q10 para fins terapêuticos, p. ex., utilizar Q10 como suplemento, para melhorar a produção de energia celular, e como antioxidante. O Professor Yamamura, no Japão, foi a primeira pessoa a utilizar Q10 em doentes com insuficiência cardíaca.

Anos 70 - produção em série de Q10 e um Prémio Nobel

Em 1972, o Dr. Gian Paolo Littarru, investigador italiano da Q10, que trabalhava com o Dr. Karl Folkers, conseguiu demonstrar que os doentes cardíacos têm níveis baixos de concentração de Coenzima Q10.

Depois, em 1974, uma empresa japonesa conseguiu desenvolver um processo de fermentação de levedura, que tornou possível produzir grandes quantidades de Q10 pura, quimicamente idêntica à Q10 sintetizada pelo organismo humano. O facto de o Q10 estar disponível a um preço acessível aumentou a sua utilização para fins terapêuticos humanos.

Mais tarde, em 1978, foi atribuído o Prémio Nobel da Química ao bioquímico inglês Dr. Peter Mitchell, pela sua descrição, em 1961, do papel da Q10 na cadeia de transporte de electrões e no processo de bombeamento de protões através da membrana mitocondrial interna em organismos vivos, acabando por produzir ATP, a partir da qual as células libertam energia.

Anos 80 - a investigação clínica com Q10 desenvolve-se

Com cada vez mais investigação sobre a absorção e a biodisponibilidade da Q10 e sobre a sua segurança e eficácia em determinadas doenças, começaram a aumentar os conhecimentos sobre a substância. O papel da Q10 como antioxidante - além do seu papel na produção de energia - tornou-se conhecido.

Em 1985, o Dr. Per Langsjoen realizou o primeiro estudo duplamente cego sobre o efeito da suplementação de Q10 na doença cardíaca. O Dr. Langsjoen conseguiu demonstrar o efeito estatisticamente importante da Q10. Por acaso, nesse mesmo ano, o filho do Dr. Per Langsjoen, o Dr. Peter Langsjoen, começou a sua carreira como cardiologista e investigador da Q10.

Anos 90 - Q10 passa a poder ser adquirido por pessoas com preocupações de saúde

Os produtos de Coenzima Q10 entraram no mercado; contudo, então como agora, os consumidores deviam ter atenção ao adquiri-los, porque os produtos de Q10 não são todos igualmente absorvidos. Na sua forma orgânica, o Q10 é uma substância cristalina lipossolúvel, com muito pouca absorção. Os cristais de Q10 precisam de ser submetidos a um pré-tratamento de aquecimento especial antes de serem dissolvidos em óleos vegetais e selados em cápsulas de gelatina.

Neste período, a investigação de Q10 centrou-se em situações de carência, no desenvolvimento de produtos com melhor absorção, e no efeito do Q10 em diversas doenças. Durante este período, um pequeno estudo sobre a utilização de doses elevadas de suplemento de Q10 em doentes com cancro da mama revelou-se promissor. E o Q10 passou a constar dos manuais médicos.

Karl Folkers - o pai da investigação da CoQ10

Desde muito cedo que o Dr. Karl Folkers percebeu a grande importância da Coenzima Q10 para a produção de energia celular, e previu a importância da CoQ10 na prevenção de doença. Chamou à CoQ10 "o bionutriente essencial". O Dr. Folkers foi frequentemente muito crítico dos produtos comerciais de Q10, especialmente na forma de pó, por não terem uma boa taxa de absorção. Recomendava, por isso, CoQ10 dissolvida em óleo.

Nos últimos anos da sua vida, o Dr. Folkers recebeu inúmeros prémios e galardões pela sua investigação de várias substâncias, incluindo Q10. Morreu em 1997 com 91 anos.

Anos 2000 - um avanço no tratamento da doença cardíaca com Q10

Como acontece com outras substâncias que não podem ser patenteadas, desenvolvidas e vendidas com grande lucro - lembremo-nos dos suplementos de zinco para prevenção do cancro da próstata - a investigação sobre a utilização do Q10 como terapêutica adjuvante para doentes cardíacos tem sofrido atrasos por falta do financiamento necessário por parte das grandes farmacêuticas e das autoridades.

Sejamos realistas! Os grandes ensaios clínicos, controlados com placebo, duplamente cegos e aleatórios são muito dispendiosos, e as grandes farmacêuticas, muitas vezes, parecem mais interessadas no lucro imediato e em empregar o seu dinheiro na comercialização do que em promover e apoiar a investigação de interesse público.

Felizmente, já existem resultados publicados de alguns estudos muito bem concebidos e executados que mostram claramente que a suplementação com Q10, comparada com placebo, tem benefícios estaticamente importantes para a saúde.

Estudo KiSel-10 sobre Q10 e selénio em idosos saudáveis

Na Suécia, os investigadores realizaram um estudo de quatro anos, bem concebido, sobre suplementação com Q10 e selénio - as duas substâncias têm uma interligação especial no organismo - e constataram que os idosos saudáveis que tomaram os suplementos poderiam reduzir o risco de morte por doença cardíaca em mais de 50%, comparado com os que não tomaram os suplementos.

Estudo Q-Symbio sobre Q10 para doentes com insuficiência cardíaca crónica

Um estudo internacional multicêntrico, bem concebido, mostrou que nos doentes com insuficiência cardíaca crónica, a quem foram administrados 300 mg/dia (100 mg três vezes ao dia) de um preparado de Q10, de boa absorção, em complemento da medicação convencional para o coração, o risco de morte por doença cardíaca reduziu-se em 43% comparado com os doentes que apenas fizeram a medicação convencional para o coração. Mais, nos doentes que tomaram Q10, o risco de morte por outras causas reduziu-se em 42% comparado com os doentes que tomaram cápsulas de placebo.

Fontes

Festenstein GN, et al. A constituent of the unsaponifiable portion of animal tissue lipids. Biochem J. Apr 1955; 59(4): 558-66.

Crane FL. Discovery of ubiquinone (coenzyme Q) and an overview of function. Mitochondrion. 2007;7 Suppl:S2-7.

Littarru GP , Ho L , Folkers K. Deficiency of CoQ10 in human heart disease. Int J Vitam Nutr Res 1972; 42: 291-5.

Folkers K, et al. Activities of vitamin Q10 in animal models and a serious deficiency in patients with cancer. Biochem Biophys Res Commun. 1997;234(2):296-9.

Lockwood K, et al. Progress on therapy of breast cancer with vitamin Q10 and the regression of metastases. Biochem Biophys Res Commun. 1995;212(1):172-7.

Alehagen U, et al. Cardiovascular mortality and N-terminal-proBNP reduced after combined selenium and coenzyme Q10 supplementation. Int J Cardiol. 2013;167(5):1860-6.

Mortensen SA, et al. The Effect of Coenzyme Q10 on Morbidity and Mortality in Chronic Heart Failure. Results From Q-SYMBIO: A Randomized Double-Blind Trial. JCHF. 2014. E-pub ahead of print.